quarta-feira, maio 21, 2008

Do lado do silêncio

"Gosto de espreitar o teu sono de criança, à noite, quando dormes alheio a tudo, e eu fico a ouvir a tua respiração e a alisar os teus cabelos. Às vezes, chego a pensar que é um desperdício ir dormir, em lugar de ficar a ver-te dormir, porque o tempo voa e em breve já não serás criança. Nestas noites, como diz a lei, tenho-te à minha «guarda», o que é um prazer insubstituível e a que alguns chamam direitos e outros chamam deveres.
Gosto de acordar de manhã, quando, ainda antes do despertador tocar, oiço o som do Canal Panda na sala, e fico a saber que tu já acordaste e que segues à risca o ritual estabelecido, e que a seguir irás fazer o teu pequeno-almoço e vestires-te para a escola. Mas, apesar disso, gosto de te recomendar que faças tudo isso e não te esqueças de lavar os dentes, sabendo que não te esqueces mas também gostas de ouvir-me dizer-to, porque essa é uma forma de saberes que te «guardo».
Saímos de casa deixando para trás o desalinho do teu quarto, a desarrumação vivida das tuas coisas, esse sinais indestimáveis da tua presença, sem os quais a casa não faz sentido e o silêncio pesa como dor escondida. És sempre tu quem carrega no botão do elevador, quem acende as luzes da garagem, numa atenção emergente para a rotina das coisas, que é a forma como vais entrando na manhã. E segues num silêncio atento no banco de trás do carro, que interrompes às vezes com alguma pergunta que ocorre de repente. Vais chegando para a frente, uma mão pousada nas costas do meu banco, como se quisesses prolongar os últimos instantes de proximidade física. Infelizmente, é tão curto o trajecto, que chego a desejar uma camioneta a descarregar na rua que nos atrase uns minutos antes que a manhã nos separe. E embora eu saiba que não há carros à vista quando atravassas a rua para a porta da escola, vou contigo de mão dada, para que sintas ou para que eu finja para comigo mesmo que continuo a guartar-te até que a porta nos separe e outros fiquem comigo.
Porque há sempre uma porta que se fecha e que nos separa, ao contrário da de casa, onde a porta do teu quarto e a do meu estão sempre abertas. Há sempre esta porta que se fecha sobre ti, outros que te falam e te escutam, enquanto eu caminho na tua ausência e na lembrança da tua voz, outros que sabem de ti o que eu ignoro, outros que por vezes se cansam de ti enquanto eu só te espero, outros que te vêem e te tocam enquanto eu olho as tuas fotografias espalhadas pela minha vida. Tão perto e tão longe de ti. Tão fundo e tão ausente. Tantas esperanças, tantos projectos, tantos planos. Tantos enganos. Tantos anos, tantos danos.
Fecho os olhos e sonho. Tu caminhas comigo, de mão dada, num campo onde não há mais ninguém, e procuramos musgo e pinhas. Há uma gruta num pequeno bosque de que eu finjo não conseguir nunca encontrar a entrada sem ti. É o nosso segredo e lá estamos protegidos do mundo e dos seus males e perigos. Entro por aí contigo. Adormeço e para sempre viverei contigo nesta gruta. E és tu então que me proteges.

(A todos os pais que não se demitiram de o ser e que gostariam de acordar todas as manhãs com os seus filhos e vê-los adormecer todas as noites e não podem. A todos os machos-homem, vagueando por casa vazias sem ninguém a quem guardar, sem ninguém a que proteger, sem função útil, nestes tempos em que não há tempo a perder. E escrito em mais um Dia Internacional da Mulher, com o seu coro de lamentações e homenagens à mulher e «à sua tripla função de mãe-trabalhadora-dono-de-casa», face à cada vez mais evidente inutilidade social dos homens)"

in "Não te deixarei morrer, David Crockett" de Miguel Sousa Tavares


Uma leitura matinal inesperada, suscitada pela preguiça de estudar matemática que me deu um novo ânimo para enfrentar este dia.
[tocada...]

um beijo*
menina do sorriso

sábado, maio 17, 2008

'hold on' - KT Tunstall



Uma partilha...
Adoro esta música! Imagino-me na casinha do Alentejo a ouvi-la... por entre a algazarra habitual! Como diria uma grande amiga: "Sinto que o mundo foi feito para mim!"

uma beijo*
menina do sorriso

quarta-feira, maio 14, 2008

bobby mcferrin

Inesquecível.
O melhor concerto de sempre.

...peace, bye.

um beijo*
menina do sorriso

segunda-feira, maio 12, 2008

imagens que marcam

Há momentos no dia em que nos apetece guardar a imagem que estamos a ver naquele momento. Criar um pequeno álbum de fotografias mentais para revermos mais tarde...

Aquele "cenário requiem" com chamas das velas em cima dos ramos ao longo da igreja, seis focos com luz negra direccionados para o tecto, e apenas as lâmpadas que iluminam cada estante... Os 300 em palco e aquele silêncio momentâneo antes do brilhante "Lux aeterna luceat eis, Domine, cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es" (iniciado pelas sopranos seguido pelos restantes naipes) do número V do "pequeno requiem" compuseram a tal imagem que não quero de todo esquecer. O conhecido Requiem cujo solo feminino do "pie jesu" deve ser cantado por alguém que conheça o amor, fez o meu fim-de-semana algo melhor que todos os outros.
Fecho o os olhos e tento reviver.

Ao Fauré.

um beijo*
menina do sorriso

ps. Não deixem de ouvir este número V (e já agora o número VII) do Requiem de Fauré.
ps2. Um agradecimento especial à minha colega do lado esquerdo no concerto que me fez aquele sinalzinho de concordância quanto à inquestionável beleza desta obra.